segunda-feira, 22 de julho de 2013

OU DECIFRA-ME OU TE DEVORO.



Por um sindicalismo à altura do momento.


As grandes mobilizações trazem ensinamentos que ainda estão sendo analisados. A plena compreensão virá quando se tornar história, em retrospectiva.

Mas a história se faz ao caminhar. Portanto, o povo na rua impõe aproveitarmos o momento para fazermos avançar a democracia, a justiça social, a soberania popular. Ou poderemos sentir o gosto amargo de retrocessos conservadores. Na política não existem espaços vazios.

A miríade de propostas que aparecem nas ruas precisam de uma síntese, sim. Mas essa síntese ocorrerá nas próprias ruas, nas mobilizações. Caso contrário ela ocorrerá nos corredores do planalto central e através da grande mídia. Não chegará à planície.

Essa é a queda de braços essencial.

Portanto, as mobilizações programadas pelo movimento sindical devem ser construídas com muita unidade e ofensividade.

As jornadas de Lutas programadas são alvisareiros indícios de uma mudança de postura do movimento sindical. Sair da reatividade para a ofensiva. A unidade que está sendo buscada, com todas as dificuldades, é elemento essencial.

A campanha salarial dos bancários acontece nesse contexto histórico. Tenho certeza que a categoria, como sempre, será ator importante no processo de mobilização e como elo de unidade e ousadia.

Paralisações e mobilizações de trabalhadores podem colocar em cheque não só as estruturas dos serviços públicos, a inadimplência do legislativo. Mas essencialmente botar o dedo na ferida, na estrutura da sociedade, na luta de classes, no embate entre o capital e o trabalho.

Dentro das empresas existe um outro código. Racismo é aceito, o assédio e a exploração são fatos. Trabalhadores morrem, adoecem, sofrem, para fazer a roda do capital andar. Tudo isso é tolerado, banalizado.

A Democracia plena passa por ampliação da participação popular. Passa, também, pela democratização das relações de trabalho, empoderando os trabalhadores. Para que mudanças profundas ocorram é preciso colocar em evidência a ferida exposta da forma como são decididos os rumos a nação: com participação popular de baixíssima intensidade.

Urge uma radical mudança de paradigmas. Uma efetiva Reforma Política, mãe de todas as reformas, precisa ser construída em outros patamares. Mudanças não serão realidade com a estrutura existente, com um congresso nacional que decide no toma-lá-dá-cá.

Outra questão essencial é regular a mídia, um verdadeiro quarto-poder, que tenta monopolizar as informações, as mentes, e a própria verdade.

Para estarmos à altura é premente resgatar a unidade das esquerdas pois não podemos deixar o leite derramar e depois lamentar nossa incompetência histórica. Mas para isso torna-se necessário ampliar a participação, superar o sectarismo.
É premente o envolvimento crescente dos trabalhadores na mudança social, buscando formas mobilizatórias para a necessária resistência aos ataques conservadores. Sempre na luta para termos avanços sociais, sem botar água no moínho da direita, jogando fora a água, a bacia e o nenem.

Devemos buscar contribuir na construção de uma estratégia de longo alcance, ousada e criativa. Para isso talvez o próprio movimento sindical (todos os atores, não só os que eu combato), terá que se questionar de alto a baixo.

É melhor que seja o movimento sindical a questionar-se a si próprio e por sua iniciativa, até porque, se o não fizer, acabará por ser questionado a partir de fora (Boaventura, p. 384, Gramática do tempo)

A realidade está impondo a necessidade de reinventar nossa atuação. Reinventar não significa negar os elementos positivos até aqui alcançados, mas compreender seus limites e a necessidade superar barreiras.

Para superar, vejo importante que tenhamos propostas que unifiquem politicamente, onde seja resgatada a unidade na ação, definindo coletivamente as estratégias com a máxima ampliação de pessoas envolvidas na militância.

Precisamos de um sindicalismo ativo e inquieto, mas também competente para mobilizar paixões com razões convincentes.


Vivendo dois tempos coexistentes, um prestes a se esgotar e outro em ebulição, sindicalistas e trabalhadores mais decididos precisam lançar-se à luta por uma célebre renovação de suas organizações. Terão que suplantar as mudanças em curso na esfera do capital oligopolista automatizado e do Estado. Essa parece ser a questão, se quiserem recusar o destino de substituto de servos e párias” (Florestan Fernandes)

domingo, 14 de julho de 2013

RICARDO, CORAÇÃO DE BANCÁRIO



No meu caminho tinha um coração,
Tinha um coração no meu caminho.

Estava caminhando, pensamentos ao longe, encontrei um coração palpitando na calçada, sem o corpo.

Todos passavam e não olhavam para baixo, não viam. Seguiam pensando ao longe.

Pensando perto, comigo mesmo, vi o órgão vermelho molhado de sangue. Parei, peguei-o.
O coração estava quente, acho que até ouvi bater, tum.tum.tum...

Olhei para todos os lados e, desesperadamente, passei a procurar seu corpo.

Entrei em uma agência bancária ao lado de onde encontrei o coração e perguntei afoito,
“será de alguém esse coração, ele está vivo ainda, precisa de um corpo...e de um cérebro para comandar”.

Um bancário aproxima-se assustado e me diz,
“poderia ser meu pois quase não controlo o meu. Não aguento tanta humilhação, pressão, exigências sem fim. Não consigo colocar meu coração a serviço de minha família. Minha filhinha quando chego em casa e ela ainda está acordada, coloca seu ouvido no lado esquerdo de meu peito e fica em silêncio até adormecer”.

Continuo, com alta angústia, sem saber de que corpo é esse coração que teima em continuar batendo, caliente.

Aproxima-se um outro bancário da agência, parece ser o gerente, e me diz,
“poderia ser meu, mas não é. Meu coração quase saiu pela boca quando eu e minha família fomos feitos reféns por assaltantes. O bandidos sabiam de toda minha rotina. O que mais me surpreendeu foi que tinham detalhes dos poucos momentos de convivência familiar. Fotos de minha ida ao circo, à lanchonete, de meu filho chegando na escola. Quase saí de mim. Aquela foto de meu filho, mostrada por eles, assustou muitíssimo mais do que aquela pistola em minha cabeça”.

Senti aquele coração se apertar entre minhas mãos, se é que isso é possível.

Não desisti, continuei procurando, gritando, indagando,
“de quem é esse coração que insiste em continuar pulsando?!”

Aproximou-se de mim uma bancária,
“não é meu. O meu acho que não pulsa mais. Acabei de ser demitida. Me dedicava totalmente ao banco, fui premiada recentemente como melhor vendedora da região sul. Nunca imaginei que isso aconteceria agora. E o pior, não sei os motivos, não tenho mais chão, flutuo num desespero total”.

O coração quase cai ao chão numa pulsação aguda, mas consigo segurar.

Um outro bancário se aproxima e fala,
“não é meu, mas poderia ser, eu todo dia choro para dentro pensando na possibilidade de ser demitido, descomissionado, assaltado. Choro, choro muito para dentro quando sou humilhado pela pressão cotidiana para cumprir as metas. Pô, sempre cumprimos as metas! A humilhação parece ser preventiva pois se não cumprissemos, se não cumprirmos sabemos que seremos dispensados, punidos!

Me preocupo enormemente, não posso deixar esse coração parar de pulsar. Ele não viverá muito tempo sozinho, precisa de um corpo. Ou será que é um coração diferente?
Talvez pertença a muitos, precisa de muitos corpos para adotá-lo.

Me vejo com dois corações, o meu biológico e o de todos, social e coletivo, e me convenço que, para mantê-los vivos por muito tempo, significa buscar ambientes mais respeitosos, com mais companheirismo, mais solidariedade.

Saio da agência bancária e vou para a rua, sento no banco de uma praça, olho para aquele coração que teima em bater e não consigo parar de pensar.

A razão dos bancos (da elite) busca controlar nosso cérebro, mas o que eles não sabem, ou fazem de conta que não sabem, ou fazem de tudo para que nós não tomemos consciência, é que o coração não consegue controlar o cérebro.

E nosso cérebro, nossa consciência precisa de clareza para não deixar nosso coração sem corpo.

Até esse momento, onde termino esse relato, o coração continua palpitando. Estamos revezando para bombá-lo e mantê-lo vivo, até que surja o corpo para reabrigá-lo.

Dei uma saidinha para descansar. Olho para trás e vejo uma fila enorme de pessoas esperando sua vez de cuidar daquele coração. São milhares...

Homenagem a um colega bancário que foi vítima de AVC relacionado ao trabalho.